Ode à democracia

Recebi um texto sobre o debate feito no nosso blog com relação ao fato de a Justiça ter imposto Limites ao REI nos pronunciamentos feitos na Rádio e Televisão Paraná Educativa (RTVE).

O texto é uma espécie de Reação Social e precisa ser repercutido. Afinal, vivemos numa democracia em que todos os lados de um mesmo polígono precisam ser observados, aprofundados…

Reproduzo:

Sobre o ônus de viver numa sociedade livre e o erro da censura judicial imposta ao Governador Roberto Requião
Há muitas coisas que podem favorecer o aperfeiçoamento democrático. Uma delas é que uma sociedade precisa ter uma elite política que “aprecie” a democracia, que conviva bem com seus procedimentos; outra é que deve haver, sempre, limites jurídicos para as ações dos governantes: os eleitos não têm um “cheque em branco”. Daí a importância da separação de poderes e do controle recíproco exercido um sobre os outros; um terceiro elemento decisivo é que deve haver, sempre, o direito de oposição; de uma oposição democrática, que seja feita com respeito, sempre, da integridade física e moral dos oponentes.

Nossa Constituição Federal repudia a violação de direitos individuais, e um deles, dos mais tradicionais e importantes, é o da livre expressão do pensamento. Esse direito é amplo e de aplicação imediata. Ele permite a difusão de informações, mesmo que críticas, mesmo que deselegantes; também permite a pluralidade de valores e ideologias, base de uma sociedade aberta.

A censura legal ou judicial prévia a um discurso verbal é amplamente rejeitada pela Constituição brasileira como é também pela tradição constitucional democrática ocidental. Admite-se, até, alguma forma de censura prévia, mas só em casos extremíssimos, como os previstos pela doutrina do Juiz Holmes (Suprema Corte Americana), do “perigo evidente e atual” (clear and present danger doctrine) de se produzirem males substantivos que os poderes públicos têm o dever de prevenir.

Outro caso extremo ocorre se alguém quer usar seu direito de expressar seu pensamento e não quer se identificar -o que impediria o direito de reparação de eventuais danos. Se for demonstrado que o direito à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem de “alguém bem definido”, individuo ou grupo, está “evidente e atualmente” ameaçado, então poderia haver a censura prévia. A ameaça a direitos, neste caso, não pode ser “apenas possível, hipotética e genérica”, tem de ser real, concreta, individualizada.

Além do mais, o Governador do Paraná não faz, tecnicamente, omissão de sua identidade, nem tampouco “discursos de ódio”, tais como discriminação racial, sexual, de gênero, de origem, de religião, de estado civil, de condição mental, ou orientação sexual; nem tampouco se vale, “tecnicamente”, de fighting words, isto é, de palavras que instigam e que convidam para a luta, para a rebelião: tais fenômenos é que, definitivamente, não são tolerados pela Constituição brasileira, nem por qualquer Constituição Democrática do mundo, e que podem, por isso, justificar restrições ao direito de livre expressão do pensamento.

Apesar dessas situações extremas, a nossa Constituição, no entanto, estabeleceu que o meio jurídico adequado para corrigir erros de discursos proferidos por quem quer que seja, não é, em primeiro lugar, a censura judicial. O contraponto imediato do “direito de livre expressão do pensamento” é, no Brasil, o “direito de resposta proporcional ao agravo” e o “direito a indenização” a todos os ofendidos.

Já devia estar claro para magistrados do Brasil que uma decisão judicial, em caso de restrição de direito individual fundamental, não pode ser genérica e ampla, isto é, não pode impedir alguém de se expressar sob a alegação de que talvez, no futuro, “alguém” possa ser ofendido.

Um magistrado que pretende restringir o direito de livre expressão não poderia invocar, apenas a “razoabilidade”, isto é, dizer que o governador não faz uso “razoável” dos meios de comunicação de que dispõe. É necessário que o juiz constate também a “necessidade” de cercear o direito de expressão do Governador. E só é “necessária” uma restrição à liberdade de expressão quando não há outro meio de conter eventuais “discursos violadores de direitos individuais” proferidos pelo governador. Neste processo, a decisão judicial bem poderia ter imposto à ANATEL o dever de aplicar com rigor suas atribuições.

É preciso lembrar, sempre, que o mal maior é a censura. E é preciso tentar todos os meios alternativos existentes antes de restringir o direito de livre expressão do pensamento.

A meu ver, o magistrado gaúcho não soube separar a “desaprovação social”, a insatisfação de parte dos opositores do governador, da “inconstitucionalidade” das ações do Governador. Faltou apelo jurídico em sua decisão.

Carlos Luiz Strapazzon
Prof. de Ciência Política e Direito Constitucional
Doutorando em Sociologia Política – UFPr
Coordenador de Pós-Graduação
Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA
blog: http://politicaparana.blogspot.com/

2 responses to “Ode à democracia

  1. A questão propositalmente esquecida pelo articulista é o uso de uma TV que se presta a ser “educativa” para fins nada educativos. Não se questiona o direito do atual governador em manifestar-se contra esta ou aquela personalidade ou instituição, se questiona o veículo utilizado e o mau jornalismo:aquele que só ouve um lado da estória. Será que as defesas seriam tão acaloradas, por exemplo, se a Biblioteca Pública só disponibilizasse para uso obras de conteúdo ideológico harmônico com o governo atual ? Seria heresia um juiz determinar que todas as obras devem ser disponibilizadas ? E o contraditório ao que o “rei” diz ? Se bem que ninguém assiste a TV Educativa, pois ela via de regra deseduca (exceto na programação que vem de fora).

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